Entrevista com David Belle

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A entrevista é interessantíssima, porque mostra o ponto de vista de David Belle, e não perguntas superficiais ou informações jogadas por pessoas ao seu redor, eu tinha visto essa entrevista há algum tempo atrás no

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Porque você decidiu passar de um bombeiro para um ator/dublê?


Primeiro, depois de ser bombeiro, eu fui para o exército. Eu estava na infantaria dos fuzileiros. Foi uma coincidência parar nos filmes. Não era uma vocação. Não era algo que eu quis fazer desde pequeno. O que eu queria era tornar meu esporte conhecido: que Parkour se tornasse reconhecido. Meu irmão mostrou meus pequenos videos para a mídia e eles se interessaram; o que me trouxe aos filmes. Mas atuar não era algo que eu queria fazer originalmente. Agora que eu estou no ramo, eu me divirto e não vou disperdiçar a oportunidade. Se existirem oportunidades para mim no cinema, eu vou aproveitá-las. Senão eu sigo outro caminho. No entanto, no momento eu não penso em fazer carreira nessa área. Eu estava mais que feliz com o primeiro “13o Distrito”. Era o suficiente pra mim poder contar aos meus filhos. Quando terminei de trabalhar no B13, eu disse a mim mesmo: “Mesmo que aja apenas esse, fico feliz que Parkour me levou a fazer isso; poder mostrar Parkour para o público e me tornar conhecido”. Para o resto, não façamos planos do que vai ou não acontecer.
Você diz como se você mesmo não tivesse feito planos, como se tivesse tudo acontecido acidentalmente…
Mas foi isso que aconteceu! Eu nunca tive nenhum tipo de estratégia. Nunca tentei me vender para atuar no cinema. Nunca pedi por nada. Tudo começou com o documentário que foi mostrado na TV. A partir daí eu aceitei o que as pessoas ofereceram. Até a última coisa, o Prince of Persia, não fui eu quem pediu, foram eles que me contactaram enquanto estava gravando B13:U (B13: Ultimatum). Eles me ligaram umas 4 vezes, insistindo que eu trabalhasse com eles. Eu estava trabalhando em outro filme na época, então concordamos que eu iria trabalhar para eles nos meus dias livre. Parkour está sendo incorporado em tudo que é filme hoje em dia, sempre que tiver uma pequena corrida ou um salto eles usam Parkour. Percebemos isso claramente isso agora, os saltos estão diferentes.

Quais as diferenças entre se preparar para os saltos em um filme e seu próprio treinamento?

Eu faço a mesma coisa. Parkour, eu terminei com isso agora. As pessoas estáo começando a se interesar nessa arte, mas eu já a explorei demais. Eu também tenho muito interesse em outras coisas. Quando alguem fala comigo sobre Parkour eu não vou dizer “tarde demais”; na maioria das vezes eu respondo “Você deveria ter vindo quando eu tinha 20 anos. Eu estava realmente motivado naquela época! Eu vivia Parkour a cada segundo da minha vida.” Agora eu poderia aprender fazer música, tocar guitarra ou algo do tipo; o que importa é que eu quero aprender outras coisas. Parkour não é a única coisa na vida. As pessoas me dizem “Parkour é muito bom, eu preciso fazer!”, eu tenho interesse em outras coisas também. Parkour é um método de treinamento que as pessoas precisam treinar porque te ajuda a se deslocar em ambientes urbanos ou naturais e a aprender a se adaptar à eles. No entanto, para mim, aprender coisas tipo cozinhar é tão importante quanto fazer Parkour. Saber como arrumar um carro, como ajudar alguem sofrendo um ataque cardíaco, etc. Para mim esses são os básicos da vida. Eu não sou como um velho artista marcial aos 80 anos que está sempre praticando os mesmos socos. É até provável que o cara nunca tenha lutado na sua vida e eu gostaria de dizer a ele “Pare de socar, relaxe, viva normalmente; aproveite sua vida”. Porque há muita rigidez quando alguem se concentra demais em algo. E eu não quero acabar assim. Quando você pega seu diploma de primeiros socorros, você não vai salvar as pessoas todo dia. É mais “se algo acontecer, eu saberei o que fazer”. Eu sempre treinei Parkour com a mesma mentalidade. Então fodam-se aqueles que me dizem “Hey faça uma demonstração! Ou algo…”, eu nunca treinei parkour para performar ou me exibir. Para mim, Parkour é algo pessoal. Aconteceu que ficou popular. Não fui eu quem o colocou na internet.

Foi esse o motivo do seu desentendimento com os Yamakasi ao levar Parkour para os filmes e shows?

Não. Mas quando penso nisso, não há problema com os Yamakasi. Eu só pratico o que meu pai me ensinou. Se você os ouvir, vão dizer que eles fazem algo que eles criaram. Nós todos vivemos no mesmo lugar. O grupo Yamakasi sequer existe ainda, todos saíram; agora é aquela “coisa de Majestic Force”. Quando era Yamakasi eles eram todo “Somos Yamakasi, é o esporte”, agora eles estão se aproximando do “PG Tips” porque esse projeto está funcionando bem. E eu me pergunto, porque isso? Tivemos um simples esporte, porque todos querem dar um novo nome? “É como o Parkour, mas é tipo aquela coisinha chamada Free running..”. Mas é Parkour! Quando você vai em qualquer país você diz “eu jogo futebol ou vôlei”. O nome do esporte não muda. Então porque mudar o nome do Parkour a não ser que você queira fazer algo tipo de negócio e poder dizer “Eu sou o criador desse novo esporte, exatamente como Parkour mas que você pula numa perna só”? Mudar uma coisinha para dizer que você é o criador de algo e poder fazer algum dinheiro com isso. O objetivo do Parkour não é fazer dinheiro ou abrir um negócio. Não existe um objetivo financeiro por trás. Parkour deve ser ensinado para pessoas que querem aprender. Se eles não têm dinheiro não importa, porque você não precisa para praticar, só um par de bons tênis e pronto. Agora as pessoas dizem “Atenção! A academia vai abrir!” ou “Vai ter um centro de Parkour blablabla”. Mas eu, eu aprendi Parkour lá fora! O verdadeiro treino de Parkour é feito do lado de fora. Você pode fazer o que quiser com seus centros, colocar uns colchões, mas as pessoas vão sempre acabar indo lá fora.

Que necessidade o fez criar o Parkour?

Foi meu pai que me ensinou. Eu tinha visto e ouvido sobre muitas coisas que ele havia feito quando bombeiro – era uma verdadeira lenda. Eu queria saber sua história. Ou meu pai tinha um dom e nesse caso eu nunca poderia ser como ele, ou ele treinou para ficar tão bom e nesse caso ele provavelmente tem algo a me ensinar. Então eu percebi o quanto ele treinou. Ele treinava como eu nunca treinei na minha vida. Comparao a ele, eu sou uma criança brincando. Quando eu penso em todo o treinamento físico que ele passou eu penso “É esse o preço para ficar tão bom? Porra é muito difícil!” Muitos pagam para ser treinados, mas eu reconheço que se qualquer um tivesse treinado com ele um só dia, nenhum jamais voltaria. É tão duro assim. Tantas pessoas tentam treinar de leve “Venha fazer Parkour! É muito legal!”. Mas se amanhã você fizesse o verdadeiro treino, você acabaria chorando. É o que você precisa saber: Você vai chorar, você vai sangrar e você vai suar como nunca antes. Não vou mentir quanto a isso. Agora se você vem me dizer “Hey eu quero aprender Parkour, mas pega leve, eu não quero forçar muito”, então vá fazer outra coisa. É para guerreiros. Um método de treinamento para guerreiros. Não é como se “Eu quero aprender a lutar; por favor não me bata muito forte porque eu não gosto”. Se é o caso, vá fazer algo diferente! Se quer ser um verdadeiro guerreiro, você precisa passar por maus bocados.

Qual o uso do Parkour?

Fácil, nós temos duas mãos: é para pegar coisas. Podemos pegar coisas para nos deslocar. Podeomos nos levantar. Podemos saltar e correr com nossas pernas. Podemos nadar. Instintivamente você sabe que pode fazer essas coisas. Quando você nada, sabe que está em você. Não é à toa. Você não é obrigado a se especializar nisso, como se tornar um especialista em escalada. Você ainda pode experimentar tudo e eu acho que é sobre isso que é a vida. Não se feche para nada e pense que você achou a verdade e compreendeu a vida. Muitos abrem sua mente por diferentes caminhos como música e pintura, assim como Parkour. “Como” não é importante. O que importa é abrir sua mente porque assim você ganha liberdade. Eu acho que quando você treina parkour, você percebe um pouco mais sobre o significado de liberdade especialmente no que diz respeito a sociedade. Ele realmente abriu minha mente. Mas isso não significa que irá ter o mesmo efeito sobre outra pessoa. O que é bom para um não é necessariamente bom para outro.

Qual a liberdade do Parkour?

Depois de um bom treino, e boa preparação física, sabemos exatamente do que somos capazes, e que podemos evoluir sem ser incomodado por outros. Ainda respeitando outros, mas não sendo incomodados por eles. Agora eu frequentemente preciso me justificar; especialmente com polícia. Mas por outro lado eu os entendo, quando eles me vêem escalando coisas eles podem pensar que eu roubei algo. Existem vários momentos difíceis como esses, então penso em me mudar para outro país como Tailândia ou mesmo a Inglaterra, qualquer lugar onde a polícia não é tão incômoda.

Até na Inglaterra?

Sim! Mesmo tendo muitas câmeras lá. A polícia sabe o que é Parkour. Enquanto na França eles ainda atormentam mesmo com o esporte desenvolvido aqui. Já fazem 10 ou 15 anos desde que o Parkour começou a ser coberto pela mídia na França e ninguem sabe dele. Sempre me fazem as mesmas perguntas repetidamente. Quando estamos na rua, é exatamente como a 15 anos atrás quando tudo começou. Isso me frustra porque a percepção pública não evolui tão rápido quanto o Parkour. Se tivéssemos tido os recursos para criar algo bom, mas não temos. No momento todos estão tentando seguir seu próprio caminho, estamos andando em círculos; mas tudo poderia ter sido feito um bom tempo atrás! Não me surpreende se as coisas que eu gostaria de fazer apenas acontecessem quando eu estiver 60 anos e não puder me mover como hoje. O que gostaria de conquistar é algo melhor; algo mais perto das ruas. Talvez apenas um lugar onde podemos unir todos na rua. Gostaria de criar uma fundação e conseguir 500.000 ou mesmo 1 milhão de euros; com isso eu diria “Ok, vamos investir toda essa grana para criar esse lugar para o Parkour”. Não vou dizer “Ok, legal, mas eu vou pegar um quarto disso tudo porque eu sou o fundador da disciplina”. Não! Não vou pegar um centavo. Se conseguirmos esse dinheiro é porque as pessoas querem um lugar como esse. Então usamos esse dinheiro para criar esse lugar e pronto. Quando penso a respeito, com o dinheiro que fiz de filmes e outras coisas, o mesmo com os Yamakasi… Se tivéssemos nos unido, teria sido feito. Mas ao invés disso, cada um fez do seu jeito, brigando mais e mais sobre onde tudo começou, alguns nunca quiseram admitir que veio tudo de um lugar; nós nos dividimos ao invés de nos unir.
Agora estamos numa estratégia do tipo “dividir e conquistar”.

Um comentário:

Unknown disse...

Muito boa a entrevista!

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